12 março, 2008

Peccatus et Fidelitas


Neto – Tião, que diabo é esse lance de fidelidade?

Sebastião – Ah, é um esquema que você compra passagem numa companhia e acumula milhas. Daí pode trocar as milhas por outra passagem depois.

Neto – Não, porra! Tô perguntando de pessoas.

Sebastião – Tipo, é o mesmo lance, só que sem as milhas, acho. Tipo, você gosta de uma pessoa e não quer que ela goste de outras.

Neto – Han?! Então você deve fazer inimigos?

Sebastião – Não é isso...

Neto – Não entendi! Gostar de uma pessoa exclui todas as outras?! O preço de se relacionar com alguém é se fechar para todo mundo?

Sebastião – Ow, você só pergunta merda! Tô atrasado.

18 fevereiro, 2008

Carta a um novo amigo velho

Ah... chega um dia em que a ameixa deixa de ser uma fruta e passa a ser uma necessidade! Confesso, é muito prática, raramente gruda na dentadura. Nesses dias, seu peristaltismo sempre poderá ser usado como tema para começar uma agradável conversa na sala de espera da fisioterapia (não recomendo falar sobre sua artrite ou aquelas dores incertas, para não sugestionar os outros velhinhos – tenha o peristaltismo como ponto seguro para começar qualquer diálogo. É como falar sobre o clima quando se é jovem. Lembra?).

O grande macete, nesses serviços de saúde, é não dar bola para o fato de te tratarem como um retardado inepto que não entende nada do que estão lhe dizendo. Deixe que falem com você alta e pausadamente, mesmo que não esteja surdo ainda.
Não fique aborrecido. Não vale a pena se chatear com a truculência e má vontade das pessoas, nem se ofender com as críticas. É sério, ninguém tem que ter 100% de controle sobre seus esfíncteres. Se for pensar bem, pode até ser divertido. Nunca vão saber se você fez de propósito.

No finzinho da tarde, encontrar os amigos é sempre uma alegria - ao menos os vivos. Só recomendo um pouco de cuidado para que não se torne uma disputa sobre quem fez mais cirurgias - nem todos sabem perder e brigar, nessa altura, pode ser desastroso. Também é bom evitar perguntar sobre esposas - vai que já empacotou! Aproveite os encontros para se gabar, contar vantagens. Como aquela de que você tem funcionado só com meio diamante e que seu médico disse que a ponte vai aguentar.

Está provado, “a felicidade da juventude retorna na velhice”, caro amigo. Saiu na Veja (Fev 2008 – já aviso que requer algum esforço ou lupa, ficou difícil até pro meu neto ler!) e eles têm toda a razão. Fica fácil aceitar a vida quando é mais provável se recordar de um discurso de Getúlio Vargas do que do nome do atual presidente (que, convenhamos, não é digno de nota. Não por algo idôneo). Há que se considerar também, o enorme tempo livre, sem qualquer trabalho ou atividade que o substitua. Você irá dormir cada vez menos, o que vai garantir, mesmo aos mais aficionados ao circuito médico/banco, aquele tempão pra aproveitarmos a aposentadoria, enquanto somos ignorados pela família – aquele velho sonho da adolescência. E que aposentadoria!

Por isso, meu novo amigo velho, seja bem-vindo à MELHOR IDADE.

Ps.: Não vá se exceder nos narcóticos e lembre-se - Cálcio 4ever.

19 abril, 2007

Miopia acadêmica e o massacre em Virgínia Tech

Fox e Levin, co-autores do livro "Extreme Killing: Understanding Serial and Mass Murder" ("Assassinato Extremo: Entendendo o Homicídio Serial e em Massa", de 2005), em entrevista à Reuters sobre o massacre em Virgínia Tech, afirmam haver três tipos de vingança a motivar um assassino em massa:

Há a "vingança específica", em que as vítimas são escolhidas por supostamente terem alguma culpa. Por exemplo, o engenheiro de computação Michael McDermott matou sete funcionários da empresa em que trabalhava, em 2000, tendo como alvo específico o setor de recursos humanos.

Há a "vingança por categoria", em que grupos como mulheres, negros ou asiáticos são o alvo. Por exemplo, Marc Lepine matou 14 mulheres em 1989 numa universidade de Montreal, por considerar que as feministas haviam arruinado sua vida.

E há a vingança contra o mundo, com vítimas escolhidas ao acaso. Por exemplo, George Hennard em 1991 matou mais de 20 pessoas num restaurante do Texas. "Quanto mais indiscriminados são os assassinatos, mais provável é que a insanidade tenha tido um papel".

Não se pode esperar muito mais de um Pesquisador de Boston, que afirma que fofoca em ambiente de trabalho pode promover a união entre os funcionários e auxiliar na produtividade do profissional.

O que mais assusta nas conclusões do pesquisador é a leitura, contrário senso, de "Quanto mais indiscriminados são os assassinatos, mais provável é que a insanidade tenha tido um papel". Deveríamos então, considerar como arrazoada a dita “vingança específica” (aquela na qual o funcionário demitido volta à empresa e elimina o RH)?!

Razão não se confunde com motivo, senhor Fox. A primeira, constitui-se de motivo qualificado pela racionalidade, pelo bom senso. Razão, enquanto motor da ação ou omissão, é espécie, motivo é gênero. Motivo pode ser torpe, razão não.

Para encerrar, gostaria de citar uma matéria publicda no jornal esquerdista italiano Il Manifesto. Para o jornal, massacres desse tipo são "tão americanos quanto uma torta de maçã". Esta afirmação, a princípio, pode parecer exagerada. Mas está, de alguma forma, refletida nas conclusões miopes de acadêmicos americanos como Fox e Levin, que conseguem vislumbrar até alguma razão nos motores de tais atrocidades.

05 abril, 2007

Sobre meninas...

... fui conduzido à sala de custódia. As paredes sujas faziam um bom conjunto com duas fileiras de assentos, daqueles que ficam agrupados, três-a-três, comuns em salas de espera. Estavam sem o tecido de cobertura, o que deixava o estofamento à mostra e causava certo asco. Ela havia passado a noite ali, deitada naqueles assentos. Não parecia irritada, apenas bastante entediada. Talvez não tivesse pensado na Sala de Custódia quando decidiu levar aquela faca de mesa para a escola.

No cárcere ninguém parece tão mau - acho que só os curdos assistiram o enforcamenrto de Saddan sem sentir algum desconforto. Contudo, ela não causava pena, nem sentimento igualmente grave. É mais fácil consternar-se com um líder caído, com quem já teve tanto, que já foi alguém. Mesmo que seja um ditador tirano! Mas com ela?! Com sua história banal !?
Perguntei o que havia ocorrido, o que a tinha motivado, por que tanta violência. Ela se agitou. Explicou-me tudo, frenética, como se realmente houvesse alguma explicação razoável. Fatos são fatos, ela continuaria naquela salinha.

Certa vez ouvi na TV que o corpo humano tem a mesma consistência de um mamão verde. Pensei em perguntar a ela, mas desisti. Eu não havia imaginado a sala de custódia!

P.S.: Ela ficou animada ao ouvir sua história na TV.

18 fevereiro, 2007

Estava escrito...

O terno de poliéster, de segunda, denotava inadequação. Aquele tipo de exotismo artificial de traje que, apesar de usado com freqüência, ainda não se incorporou ao costume. Naquele dia ele não estava agitado, não naquele dia. Não tinha aquele caminhar ansioso de cárcere recém ingresso na cela. Não tremulava sua bíblia no ar, nem bramia profecias apocalípticas ou devaneios regados com sangue, sacrifícios e castigos – os temas prediletos de tantos outros, que como ele, tornavam as praças seus púlpitos – não naquele dia.

“ Está escrito - No princípio, Deus criou o céu e a terra (Gênesis 1,1). Assim começa a Bíblia, e o primeiro capítulo do Gênesis relata de maneira gráfica como Deus criou o mundo. Sem utilizar nenhum material pré existente, sem nenhum instrumento, Deus foi criando todas as coisas: o céu e a terra, os animais e as plantas... e por último o homem. Deus criou o mundo do nada e o fez em seis dias, descansou no sétimo”, explicou com seu discurso decorado. Parecia realmente acreditar naquilo!

Os cientistas discordam desta explicação, por ser infundada e absurda. Apoiando-se nos conceitos da Relatividade de Einsten e outras Leis da Física Moderna, criaram a Teoria do Bing-Bang. Segundo tal Teoria, o espaço e o tempo foram criados no Big Bang. No começo do universo o espaço era preenchido completamente com a matéria. A matéria estava originalmente muito quente e muito densa e então expandiu e esfriou para eventualmente produzir as estrelas e as galáxias que nós vemos no universo hoje. Eles realmente parecem acreditar nisso!

O lado cômico desta celeuma é que inevitavelmente, tanto um lado quanto o outro, terá que aceitar que algo sempre existiu (seja deus ou matéria) ou que algo surgiu do nada (e neste caso, irônicamente, é mais fácil acreditar que algo mágico e supra-humano surgiu do nada, do que simples matéria)!
Os cientistas podem tentar escusar-se por apresentarem uma hipótese, algo mutável, substituível. Repugnam o "ESTÁ ESCRITO". Mas enganam-se ao julgar-se isentos, o empirismo sempre foi seu dogma.

08 janeiro, 2007

Bem na foto

Era um dia quente de domingo, daqueles sem nenhuma brisa para aplacar o calor. O sol, a pino, castigava inclemente até os mais habituados com tanta luz. A grama luminescia em amarelo e emanava um odor sulfuroso, devido a adubação recente.

O jovem casal caminhava a passos lassos, ele com aparente tédio, ela indiferente. Talvez pelo calor, sentaram-se na grama. Trocaram alguns olhares e poucas palavras. Ela parecia incomodada pelos mosquitos, pequenos dragões vorazes por sangue, ou talvez pela grama que pinicava. Tédio e descorforto!

O rapaz sacou de sua mochila uma pequena câmera, aproximou-se da namorada e olharam juntos para a objetiva com sorrisos como os de propaganda de creme dental. Não estava mais calor, a grama não pinicava, nem os mosquitos zumbiam mais! A indiferença nos olhos dela foi substituída por uma felicidade quase extasiante. Ele, tornara-se o mais apaixonado dos amantes. Click, click. Eternizaram um momento que nunca viveram.

Para os saudosistas, um prato cheio. - Como eu era feliz naquele tempo. Olhe a foto!

Mas não se engane, nem só os saudosistas podem tirar proveito, os mais recalcadinhos também podem servir-se. Está lá a prova de seu sucesso, tão importante num mundo extremamente competitivo, com relacionamentos cada vez mais superficiais, onde ser feliz virou uma obrigação. Só os francos e incompetentes são infelizes. Sorriso?? Até em foto de velório. Vai que alguém te flagre chorando!?

15 novembro, 2006

La Fontaine?!

Ninguém duvida que o serviço público tenha uma cultura própria, cheia de ritos, protocolos e manias que de tão impregnados passaram a fazer parte do inconsciente coletivo do funcionalismo. Estão lá, em cada uma das categorias, para os mais diversos efeitos que se possa imaginar. Começando pela fixação pelos incontáveis memorandos, a guia rosa, a amarela, e por favor, não esqueça o carimbo na quarta via. Aquela que servia para que mesmo? Opa, não me lembro, mas também não é nosso tema.


Nesta seara, sempre me despertou curiosidade, meio basbaque, confesso, a recorrente figura da formiguinha apressada. Uma leitura excêntrica, de uma fábula que provavelmente foi encomendada por alguma associação patronal ao La Fontaine e que foi adotada como estandarte pela ala “da boa vontade” do serviço público. Basta uma tarefa de difícil execução devido a baixa adesão ou a escassez de vontade dos gestores que lá está ela. - É trabalho de formiguinha mesmo, diz. Mas o que isso quer dizer afinal??

Bem, 1- o servidor acredita estar extremamente empenhado em uma tarefa hercúlea e solitária, já que não pode contar com a cigarra ou com a colega mosca morta; 2-ele acredita que a persistência renderá algum resultado; 3- que será, de alguma forma, gratificado por seu empenho.


Até entendo que o servidor não conheça intimamente o funcionamento de um formigueiro, que não saiba que todas as formigas trabalham, ou que possuem funções bem definidas, porque há clareza na determinação dos objetivos. Para elas, aquele trabalho todo não é hercúleo. O que estarrece é o fato de não perceber que quando seu chefe evoca o inseto, está dizendo: Sinto muito, mas algo tem que ser feito nesta área, preciso de estatísticas que comprovem nosso trabalho, que justifiquem nossa existência. Não possuímos o devido apoio institucional, mesmo que a lei o determine e estou extremamente apegado ao cargo para correr o risco de me indispor com a direção superior, portanto, faça o quanto e o que você conseguir fazer com o que tem... Opa!! Caí na real. Talvez a form, digo, sevidor perceba! Acho que prefiro os mamíferos.